Os poucos
que tentam viver no mundo real são mais felizes. Os muitos, que acham que um
dia renascerá naquele mundo irreal chamado céu, sofrem mais. Oh! Coitados
religiosos!
Na década de 80 passava no SBT um programa de humor, e num dos quadros
apresentados um rapaz namorava uma garota e ia até a casa de seus pais pedí-la
em casamento. O rapaz era bem recebido pelos prováveis sogro e sogra, daí ele
fazia o pedido, digo, pedia a mão da donzela em casamento.
Ao ouvir o pedido de casamento, o pai da garota encarava o rapaz e
captava através do cérebro uma imagem que ao mesmo tempo era reproduzida na
telinha da TV mostrando como seria no futuro a convivência da sua filha casada
com o citado rapaz. Mostrava sua filha sendo maltratada pelo esposo. Ele
namorava fora do casamento. Ela também gritava com ele até o casamento ir à
decadência.
A imagem saía da mente do pai da garota, ele apertava os olhos, olhava
para o namorado da filha e gritava: – O que?!!! Casar com minha filha para depois
maltratá-la, saia da minha casa seu pilantra… Contei esta história para mostrar
às pessoas que se num acaso uma mulher já grávida visse uma imagem como a
citada no programa mostrando como seria criar um filho com Síndrome de Down,
provavelmente ela e a grande maioria das mulheres abortariam.
Para não ficar em imagem de mentirinha de programa de humor vamos partir
para a realidade. Como a medicina está muito avançada e a cada ano avança mais,
eu diria (eu acho) que qualquer mulher grávida que passar por exames e for
constatado com real precisão, com 100% de certeza que seu filho vem ao mundo
com um destes problemas: Síndrome de Down, Mongolóide, o cérebro atrofiado, sem
um braço, cego ou com outros tipos de deformidades, ninguém de sã consciência
vai querer este neném.
Não quero dizer que uma criança que já veio ao mundo com um destes
problemas citados será rejeitada. NÃO É NADA DISTO.
Estou querendo dizer que uma criança (ainda como embrião ou feto) que está por
vir ao mundo, e a medicina constatar com precisão que ela nascerá deformada,
daí esta futura mãe ouvir o relato de um médico, de uma assistente social, de
uma psicóloga explicando as conseqüências futuras, tanto para os pais, para a
própria criança, para a sociedade vigilante e preconceituosa…
ACREDITO QUE NEM O PAPA QUERIA QUE ESTA CRIANÇA NASCESSE.
Os sábios do mundo discutem e opinam, mas já descobriram, já provaram
cientificamente a partir de que momento o ser humano já é um ser vivo? Após a
fertilização? Na fase embrionária? O feto já é um ser vivo, não é? Certa vez vi
pela TV o Elsimar Coutinho e um representante da igreja católica tentando
explicar (divergiam entre si) em que momento do aborto já é considerado a perda
de uma vida. A Igreja Católica e outras religiões têm provas documentadas, registradas
em cartórios e com testemunhas provando que Deus é contra o aborto em qualquer
situação? Duvido!
Tudo bem, abortar é algo antiético, que seja, mas quem falou e decretou
esta falácia? Alguém tem provas reais mostrando que fazer um aborto é um pecado
aos olhos de Deus? Que dia, mês, ano, século ou milênio Deus falou ou escreveu
falando sobre o aborto? Ah sim! Foi há muito tempo, o homem é que escreveu
sobre o mal causado por um aborto, mas foi inspirado por Deus. E, Jesus que era
o filho de Deus e não era analfabeto, porque não escreveu nenhuma vírgula na
Bíblia? Já ouvi algumas pessoas falando que Deus nos deu livre arbítrio. Só não
sabem dizer o dia, mês, ano, século ou milênio em que ele fez este anúncio. O medo de ir para o inferno está condenando
várias pessoas de ter o seu próprio inferno aqui mesmo.
Estabelecido como crime pelo Código
Penal, o aborto é permitido no Brasil em apenas três situações: quando não
há outra forma de salvar a vida da gestante; quando a gravidez é decorrente de
estupro e a mulher ou representante legal dela opta por interromper a gravidez
e em casos de diagnóstico de anencefalia. Nesse caso, incluído após julgamento do Supremo Tribunal Federal em
2012, fala-se em antecipação terapêutica do parto.
Em qualquer dessas condições, a
mulher pode procurar o Sistema Único de Saúde (SUS), que tem 65 unidades aptas
a interromperem a gravidez. Nesses casos, elas devem ser acompanhadas por uma
equipe multidisciplinar, de modo que seja garantida assistência médica, social
e psicológica. Em 2013, segundo o Ministério da Saúde, foram registrados 1.523
casos de aborto legal. Estima-se, contudo, que o número de interrupções
praticadas no país seja bem maior.
Segundo pesquisa do Instituto de
Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), da Universidade de Brasília (UnB),
mais de uma em cada cinco mulheres alfabetizadas que possuem entre 18 e 39 anos
já praticaram pelo menos um aborto, ao longo da vida. Cerca de metade delas
teve que ser internada por conta de complicações, como perfuração do útero. A
prática é mais comum entre mulheres com menor escolaridade (23%), enquanto o percentual
das que já concluíram o ensino médio é 12%.
Realizada em 2010, a Pesquisa
Nacional de Abortos utilizou a técnica de amostragem para chegar a esses
números, afinal como muitos casos são feitos em clínicas clandestinas, não há
como obter dado exato, mas muitas pesquisas tendam a dimensionar essa
ocorrência. No documento Aborto e Saúde Pública no Brasil, de 2009, o
Ministério da Saúde destacou estimativa de que 1.054.242 abortos foram
induzidos em 2005. Já o Centro Feminista de Estudo e Assessoria (Cfemea) aponta
que cerca de 1 milhão de brasileiras submetem-se a abortos clandestinos todos
os anos.
Em nota enviada à Agência Brasil, o Ministério da Saúde
afirma que o número de óbitos de mulheres atribuído ao aborto passou de 3ª para
5ª causa de mortalidade materna de 1990 a 2012, queda que credita “à ampliação
da rede de serviços à saúde integral da mulher, ação efetuada pelo Ministério
da Saúde em conjunto com as secretarias estaduais e municipais de saúde”.
Apesar da dificuldade de acesso a
esses dados, o Instituto Anis conclui que o aborto deve ser prioridade na
agenda de saúde pública nacional. O mesmo posicionamento é defendido pela
Anistia Internacional, para quem o tema deve ser tratado como uma questão de saúde pública e direitos humanos
e não na esfera criminal.
A opinião é compartilhada pela
assessora do Cfemea, Fernanda Saboia. Para ela, o debate sobre o tema no Brasil
precisa ser feito à luz da saúde pública e dos direitos das mulheres. “A
discussão sobre o aborto não tem o intuito de mudar a opinião individual de
cada um, mas de mudar a legislação, para que as pessoas que fazem aborto não
sejam criminalizadas ou submetidas a uma abordagem em clínicas clandestinas”,
afirma.
Fernanda aponta o abandono dos
companheiros, a falta de condições financeiras ou de preparação para ter um
filho e a falha de métodos contraceptivos como principais situações que levam a
essa prática. Por isso, para ela, manter a situação como está significa “fechar
os olhos para uma situação que já é comum e que mata principalmente as mulheres
negras e pobres, porque as mulheres da classe média e da classe alta fazem o
aborto em clínicas clandestinas em ótimas condições”. De acordo com o Cfemea,
muitas clínicas chegam a cobrar pelo menos R$ 4 mil pelo procedimento.
Essa diferença foi diagnosticada
também pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No relatório Abortamento
seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde, a
organização ressalta que “nos países onde o aborto induzido legal está
sumamente restrito ou não está disponível, na maioria das vezes o aborto seguro
se torna um privilégio dos ricos, e as mulheres de baixa renda são mais
suscetíveis a procurar métodos inseguros, que provocam a morte e morbidades,
gerando responsabilidade social e financeira para o sistema de saúde público”.
A OMS estima que, a cada ano, são
feitos 22 milhões de abortos em condições inseguras, levando à morte cerca de
47 mil mulheres, além de causar disfunções físicas e mentais em outras 5
milhões. Já “nos locais com poucas restrições ao acesso a abortamento seguro, a
taxa de mortes e doenças cai drasticamente”, afirma a organização, que constatou
diminuição no número de abortos realizados nesses países.
Na avaliação da coordenadora da
organização Católicas pelo Direito de Decidir, Rosângela Talib, isso ocorre
porque, em países em que o aborto é legalizado, as mulheres buscam o sistema de
saúde e lá recebem informações. Há “maior possibilidade, dessas mulheres,
saírem do serviço de saúde com métodos contraceptivos e também de terem maior
nível de informação sobre sua saúde reprodutiva", afirma.
Diante do que considera ausência do
Estado em relação à educação sexual e ao planejamento familiar, Rosângela
avalia que “nem a interdição legal, com a criminalização, nem a interdição
religiosa que coloca como pecado, tem impedido que as mulheres realizem o
aborto. A proibição tem sido inócua como possibilidade de você diminuir a
prática e isso tem levado a uma série de problemas de saúde pública”.
Religiosas, as integrantes dessa
organização defendem que esse tema deve deixar de ser um tabu na sociedade em
geral e também na Igreja. “A gente teve uma revolução de costumes, não dá para
a gente defender os mesmos princípios, como se nada tivesse mudado. O que a
gente faz é chamar a Igreja para dialogar com a sociedade”, defende Rosângela.
Reflexão
Ana foi forçada ao
aborto, no Sertão de Pernambuco. A adolescente de 15 anos ficou grávida do
namorado, e coube ao pai do jovem planejar o fim da concepção indesejada. A
polícia de Trindade, a 650 quilômetros de Recife, descobriu que a menina foi
levada contra a sua vontade a um técnico de enfermagem, conhecido por fazer
abortos clandestinos na região. A técnica usada, invasiva demais, acabou dando
errado.
Com uma hemorragia,
durante a madrugada, Ana foi levada pelo técnico e pelo sogro para frente do
Hospital Regional de Ouricuri, a poucos quilômetros da cidade da menina. Assim
que ela chegou à sala de emergência, os médicos detectaram o óbito. O que os
dois homens fizeram foi praticamente deixar o corpo na frente do hospital. Eles
não permaneceram no lugar. Era janeiro de 2013.
Histórias como a de
Ana são comuns num país conservador, que não discute o aborto, tratado quase
sempre com um viés religioso e machista, e não como um problema de saúde
pública. Por causa da clandestinidade, é comum a subnotificação, o que também
ocorre com as mutilações ou mortes de mulheres que recorrem ao mercado negro. O
caso de Ana, abandonada em frente a um hospital no interior do país, só não
passou batido porque uma testemunha reconheceu o agressor.
Policiais civis
começaram a investigar a história e descobriram o envolvimento do pai e da mãe
do namorado de Ana, também um adolescente. O técnico de enfermagem está preso,
segundo a polícia em Trindade. Os pais do adolescente estão foragidos, dizem os
policiais.
GRAVIDEZ
DE RISCO
Elineide morreu aos
42 anos, um dia depois do parto, e mobilizou entidades que atuam em defesa dos
direitos da mulher. A doceira morava em Ceará-Mirim, cidade encostada em Natal.
A gravidez era de risco, em razão da saúde do feto: o diagnóstico era de que o
bebê não nasceria com vida.
A mulher decidiu, em
conjunto com o marido, interromper a gestação, amparada na legislação
brasileira, que permite o aborto em caso de risco de morte para a mulher. O
hospital decidiu só fazer o procedimento com autorização da Justiça. O juiz
indeferiu o pedido com base na “legislação aplicável à matéria” e em sua
“convicção pessoal”.
Não haveria tempo
hábil para um recurso na segunda instância do Judiciário. Na noite de 30 de
março de 2010, o bebê nasceu morto. O parto só ocorreu depois de uma espera de
quatro horas. Elineide morreu no dia seguinte, “sem direito a um acompanhante”,
após sofrer uma parada cardíaca, segundo entidades de defesa da mulher que
atuam no Rio Grande do Norte.
Sensitivista
“A lei atual que proíbe o aborto é eficaz apenas
para matar mulheres. Quantas mulheres vão ter que morrer para entendermos que a
lei não tem efeito?”, questiona o ginecologista e obstetra Jefferson Drezzet.
O médico, que é coordenador do Ambulatório de Violência
Sexual e de Aborto Legal do Hospital Pérola Byington em São Paulo
(inclusive é o hospital que eu nasci), diz que os abortos continuam sendo
feitos, mas que por ser considerado crime, as mulheres fazem os
procedimentos sozinhas, adquirindo medicamentos de procedência duvidosa ou em
clínicas clandestinas.
Drezzet explica que há duas opções de clínicas que
fazem abortos: as que têm estrutura e oferecem à mulher um aborto com segurança
e as que são verdadeiros “matadouros de mulheres” onde o procedimento é feito
por pessoas sem qualificação e sem qualquer estrutura. “A primeira opção é
cara, ou seja, a lei prejudica ainda mais as mulheres pobres, que estão mais
vulneráveis e mais sujeitas a um procedimento incorreto e arriscado”, explica.
O médico diz que dados da OMS (Organização Mundial
da Saúde) mostram que, no mundo, 600 mil mulheres morrem por ano em decorrência
do aborto inseguro. “No Brasil, uma mulher morre a cada dois dias”,
comenta. Ele ressalta que além das mortes, há várias complicações decorrentes
do procedimento feito na clandestinidade. “O aborto pode ser muito seguro ou
extremamente inseguro. O que diferencia é como, onde e por quem ele é
feito”, observa.
Drezzet diz que o Uruguai, que descriminalizou
recentemente o aborto, o número de mortes e complicações tiveram reduções
expressivas sem aumentar os casos de aborto.
“A ideia é dar mais segurança para a mulher que
quer fazer o aborto. Se ela está decidida a não ter o bebê, vai fazer de
qualquer maneira”, avalia.
Diferente do Uruguai e de boa parte dos países
desenvolvidos, o Brasil ainda não tem qualquer perspectiva de mudar a
legislação vigente sobre o assunto. Barreiras religiosas e políticas travam
mudanças no Código Penal neste assunto. Durante a campanha eleitoral, os dois
candidatos à Presidência da República declaram ser contra a descriminalização
do aborto. Para o médico, a questão do abortamento não deve ser visto como
questão religiosa, mas como um problema de saúde pública.