MESPR - Movimento de Evolução Social, Político e Religioso

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sexta-feira, 7 de setembro de 2018

DESIGUALDADE – Amartya Sen

Em Desigualdade Reexaminada, Amartya Sen desenvolve uma abordagem metodológica para lidar com as questões mais pertinentes da desigualdade social e explora particularmente as formas de análise dos arranjos sociais, confrontando a ideia de igualdade com dois tipos distintos de diversidade: a heterogeneidade básica dos seres humanos e a multiplicidade de variáveis relativamente às quais a igualdade pode ser avaliada.
2Enfatizando a pergunta “Igualdade em relação a quê?” e relacionando-a com a diversidade humana, ele argumenta que as demandas por igualdade devem ser vistas no contexto de outras demandas, especialmente relacionadas com objectivos agregadores e eficiência geral, uma vez que quando a igualdade é analisada isoladamente de outras questões, a sua avaliação tende a ser distorcida ou sobrecarregada. A sua proposta consiste numa forma de responder à pergunta formulada no início do livro, relacionando-a com os diversos temas desenvolvidos em 9 capítulos e sugerindo as diversas implicações deste tipo de resposta, não apenas do ponto de vista teórico, mas da sua importância na formulação de políticas públicas nos domínios económico e social.
3No livro, o autor faz uma apresentação sistemática das dificuldades a serem enfrentadas por qualquer teoria que pretenda responder adequadamente a uma outra pergunta, relacionada com a anterior: “que aspecto da condição de uma pessoa deve contar como fundamental na avaliação da extensão da desigualdade?”, apresentando simultaneamente a defesa do seu ponto de vista segundo o qual as capacidades é que devem ser igualadas.
4O conceito de capacidade expressa uma ideia de igualdade de oportunidades, valorizando a liberdade substantiva das pessoas para levarem a vida do jeito que quiserem e de lutarem pelo alcance dos seus objectivos. Neste conceito, destaca-se a ideia de vida boa, que subentende escolhas genuínas, ou seja, não pressionadas – por outras palavras, liberdade de escolha. As oportunidades envolvem não apenas as disponibilidades em recursos, mas também o acesso das pessoas a esses recursos, o que depende das habilidades e talentos para os usar. A ausência de habilidades e talentos é limitante e limitativa da liberdade de ter e fazer escolhas, uma vez que a escolha genuína pressupõe capacidades para fazer ou para não fazer, para escolher e lutar pelos objectivos.
5Para este autor, a noção de ‘capacidades’ está intimamente relacionada com a noção de liberdade efectiva, que resulta dos funcionamentos, ou seja, os ‘teres’, ‘seres’ e ‘haveres’ das pessoas. As formas de destituição e de exclusão e as desigualdades sociais comprimem ou anulam as liberdades efectivas de milhões de pessoas, num mundo que atingiu progressos materiais extraordinários, colocando a questão da necessidade de buscar formas de distribuição da riqueza gerada que permitam ampliar as liberdades efectivas de um número cada vez maior de pessoas, o que pressupõe a avaliação constante dos processos de geração e distribuição da riqueza.
6Esta questão tem a ver com outra crítica que Sen endereça à noção de racionalidade seguida pela economia, a qual pressupõe a busca pela maximização do auto-interesse e as escolhas que tal busca implica, sem se preocupar com o conteúdo dessas escolhas; ou seja, para o autor, existe na economia uma simplificação das motivações das pessoas. Ele defende o reconhecimento de outras motivações e outras definições de racionalidade, permitindo incorporar na formulação das políticas públicas a pluralidade de valores presentes na sociedade, relacionando ética e racionalidade, e a incorporação de motivações morais na economia, por exemplo.
7As preferências das pessoas resultam do nível de informação e da condição de desenvolvimento de habilidades e talentos que elas tenham alcançado, conduzindo a extremos de ostentação de preferências caras das elites ou de resignação e conformismo de preferências baratas das camadas oprimidas e discriminadas socialmente. O défice de liberdade efectiva por parte dos desfavorecidos (os expostos à destituição continuada ou os portadores de incapacidades físicas ou mentais) revela-se nas taxas de conversão de bens primários em liberdades efectivas, desfavoráveis e diferenciadas destes grupos, traduzindo-se numa desigualdade de distribuição de bens primários, apesar da demanda por equidade.
8Segundo o autor, este círculo vicioso alimenta-se da incapacidade de muitas pessoas das camadas mais desfavorecidas da sociedade em identificarem os valores e os procedimentos que devem seguir. Por outro lado, a impossibilidade de produzir ordenações completas de valores e dos procedimentos correspondentes devido às dificuldades de escolha provocadas pelos dilemas morais ou conflitos de valor não implica a paralisação da acção, uma vez que sempre existe a possibilidade de escolha de outros arranjos que não sendo os ideais são, contudo, os que se apresentam possíveis de aplicação e capazes de funcionar pragmaticamente.
9A contribuição de Sen no domínio dos problemas da desigualdade e da pobreza situa-se nos âmbitos conceptual e de mensuração, e também na sugestão de políticas públicas. Na sua obra, os temas da pobreza e da desigualdade social aparecem frequentemente interligados, estando muitas vezes presentes na referência a situações de desigualdades, argumentos e evidências relativos à pobreza. Por outro lado, a insistência nos fenómenos de destituição e de incapacidades físicas ou mentais parece constituir um indicador da sua preferência relativamente ao problema da exclusão social, em detrimento do tema das disparidades entre pessoas e grupos sociais.
10Mas esse aspecto é contrabalançado pela sua contribuição para uma perspectiva de dimensão avaliatória dos estados sociais em termos dos ‘seres’ e ‘fazeres’ e das alternativas a que as pessoas têm acesso, ou seja, os funcionamentos e as capacidades das pessoas em levarem a vida do seu jeito, estabelecendo os objectivos que desejam alcançar e tendo condições para os alcançar. Por outro lado, Sen propõe um conceito de pobreza relativa, permeado pelo nível de desigualdade social e económica existente na sociedade, cujos indicadores são os funcionamentos e as capacidades. Já o seu conceito de pobreza absoluta corresponde a um nível de vida abaixo das potencialidades físicas das pessoas.
11Na sua perspectiva, padrão de vida é a expressão das condições de vida das pessoas, acrescentando: “Os fracassados e oprimidos acabam por perder a coragem de desejar coisas que outros, mais favoravelmente tratados pela sociedade, desejam confiantemente. A ausência de desejo por coisas além dos meios de que uma pessoa dispõe pode reflectir não uma valoração deficiente da parte dela, mas apenas uma ausência de esperança e o medo da inevitável frustração. O fracassado enfrenta as desigualdades sociais, ajustando os seus desejos às suas possibilidades.”
12Na sua abordagem de funcionamentos e capacidades, Sen defende a pluralidade de objectos de valor, para reflectir a pluralidade de ‘seres’ e ‘fazeres’ em consonância com a diversidade de carências das pessoas, os quais seriam medidos por ordenamentos parciais. A noção de funcionamentos como ‘objectos de valor’ parece localizar-se nas condições e tipos de vida proporcionados pelo acesso diferenciado a meios, não apenas económicos: esta ênfase em ‘qualidade de vida’ baseia-se no princípio de que o valor do padrão de vida repousa na vida em si e não na posse de mercadorias ou bens e deixa espaço para a contingência e variabilidade naturais e sociais que respondem pela diferenciação das carências entre as pessoas. Para além do foco nas necessidades básicas, como rendimento, saúde, educação e esperança de vida, o autor defende a criação de um conjunto de indicadores sociais e culturais que transcendem o indicador económico ‘rendimento’, deslocando o espaço do ‘ter’ para o espaço do ‘ser’ e do ‘fazer’.
13Para ele, os funcionamentos variam dos mais elementares (como estar bem alimentado ou ter uma esperança de vida longa) a outros mais sofisticados, relacionados com a auto-estima, o reconhecimento ou o sentimento de pertença a uma comunidade. As capacidades reflectem as oportunidades de escolha por arranjos alternativos de conjuntos de funcionamentos que as pessoas detêm e que representam a extensão da sua liberdade efectiva de escolha, referida não apenas aos bens sociais primários.
14Na opinião de Sen, esta avaliação em termos de funcionamentos e capacidades permitiria representar 3 níveis de objectivos das pessoas: o seu padrão de vida, o seu bem-estar e os seus objectivos enquanto agente, numa visão multidimensional do ser humano que possui ambições em relação à sua vida pessoal e das outras pessoas, e compromissos em relação à realização dos objectivos que deve perseguir.
15Quando relaciona pobreza e desigualdade, Sen distingue os funcionamentos e as capacidades biológica e universalmente determinados, daqueles que o são socialmente, ou seja, dependem de um padrão médio efectivamente alcançado por uma comunidade. Nesta abordagem, a noção de pobreza relativa ganha grande relevo na medida em que faz sobressair a relatividade social e cultural das necessidades, que parece relacionar as realizações de uns ao que os outros conseguem alcançar, dando lugar a comparações entre os mais bem situados e os menos bem situados na sociedade, com a eclosão dos sentimentos de vergonha e baixa estima por parte destes últimos.
16Na perspectiva de Amartya Sen, não é possível deixar de reconhecer as assimetrias do mundo social que levam à formação distorcida de expectativas. É também necessário ter em atenção a impossibilidade de responsabilizar as pessoas pelas suas escolhas individuais, especialmente aquelas que apresentam incapacidades físicas ou mentais, ou carências resultantes da destituição social – uma vez que tal responsabilização pressuporia a completa disponibilidade e acessibilidade universal de conhecimento e habilidade das pessoas em reconhecer e escolher alternativas, o que não acontece em nenhuma sociedade.

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Fora corrupção.Vamos viver, pelo menos, com decência!!! A formação política dos chilenos, como de todos os hispano-americanos do começo do séc. XIX, era algo de uma ineficiência gritante. Quase que sem transição, viram-se esses povos donos de seus destinos, sem preparo para a difícil tarefa de governar. Surgiram à tona todas as AMBIÇÕES.