A essência da teoria de Keynes é
mostrar que uma economia de mercado, quando deixada sozinha, funcionando por
conta própria e sem um governo fazendo "ajustes finos" em suas
variáveis, não possui um mecanismo de autocorreção que a faça voltar para o
pleno emprego quando o sistema econômico caiu em uma depressão. No âmago
desta abordagem estava a crença de que ele havia demonstrado um erro na Lei de Say.
Assim rotulada em homenagem ao
economista francês do século XIX Jean-Baptiste Say, a ideia fundamental da Lei
de Say é a de que os indivíduos produzem para
poder consumir. O economista clássico David Ricardo
expressou-a desta forma:
Ao produzir, portanto, ele
necessariamente se torna ou o consumidor dos seus próprios bens ou o comprador
e consumidor dos bens de alguma outra pessoa.... Bens produzidos sempre são
comprados com outros bens produzidos, ou por serviços; o dinheiro é somente o
meio de troca, o meio pelo qual a troca é efetuada.
Keynes argumenta que não há garantia
nenhuma de que aqueles que venderam bens ou venderam sua mão-de-obra no mercado
— e que, por isso, receberam uma renda — irão necessariamente utilizar a
quantia total dessa renda recebida para comprar bens e serviços ofertados por
outras pessoas. Assim, os gastos totais em bens e serviços poderão ser
menores do que a renda total.
Isso, por sua vez, significa que as
receitas totais auferidas pelas empresas que vendem bens e serviços no mercado
podem ser menores do que os gastos incorridos por elas ao trazerem tais bens e
serviços ao mercado. Com o total de receita de vendas sendo menor que os
gastos, os empreendedores não terão outra opção senão cortar gastos, reduzir a
produção e diminuir o número de empregados, de modo a minimizar suas perdas
durante esse período de "problemas e negócios ruins".
Porém, argumenta Keynes, isso meramente
intensifica o problema do desemprego e da queda da produção. À medida que
trabalhadores são demitidos, suas rendas necessariamente diminuem. Com
menos renda para gastar, os desempregados reduzem seus gastos com
consumo. Isso resulta em uma queda adicional da demanda por bens e
serviços oferecidos no mercado, o que amplia o número de empresas que verão
suas receitas de venda declinando em relação aos seus custos de produção.
E isso irá desencadear uma nova rodada de cortes na produção e no emprego,
culminando em uma espiral contracionista na produção e no emprego.
Por que os trabalhadores não iriam
aceitar salários menores — o que os tornariam novamente atraentes para serem
recontratados por empregadores — em decorrência desta queda da demanda no
mercado? Porque, disse Keynes, os trabalhadores sofrem de "ilusão
monetária". Se os preços dos bens e serviços estão diminuindo por
causa de uma queda da demanda dos consumidores, então os trabalhadores poderiam
aceitar um salário mais baixo e ainda assim não ficarem em uma situação pior em
termos de poder de compra real — caso o corte em seus salários nominais não
seja, na média, maior do que a redução ocorrida no nível médio de preços.
Mas os trabalhadores, argumenta Keynes,
geralmente pensam apenas em termos de seus salários nominais, e não em termos
de seus salários reais, isto é, o que sua renda monetária
representa em termos de poder de compra real no mercado. Assim, os
trabalhadores iriam preferir aceitar o desemprego a um corte em seus salários
nominais.
Se os consumidores estão demandando menos
bens e serviços no mercado, isso necessariamente significa que eles estão
poupando mais. Por que então essa renda não consumida não iria ser gasta
contratando mão-de-obra e comprando recursos de maneira diferente, a saber, na
forma de mais investimentos? Afinal, os poupadores têm mais dinheiro para
emprestar para potenciais tomadores de empréstimo. E com mais poupança,
os juros sobre os empréstimos seriam menores. Por que isso não ocorreria?
A resposta de Keynes foi insistir na
afirmação de que os interesses dos poupadores e dos investidores não são os
mesmos. As pessoas que possuem renda podem perfeitamente querer consumir
uma menor fatia de sua renda, poupar mais e oferecer essa fatia poupada para
tomadores de empréstimo, de quem cobrariam juros. Mas não há certeza,
insiste Keynes, de que os empreendedores estarão dispostos a pegar emprestado
essa maior fatia da poupança e utilizá-la para contratar mão-de-obra para
produzir bens que serão vendidos no futuro.
Dado que o futuro é incerto e o amanhã
pode ser radicalmente diferente da realidade de hoje, declara Keynes, os
empreendedores podem facilmente se deixar levar por imprevisíveis ondas de
otimismo e pessimismo, as quais aumentam e diminuem seu interesse e disposição
para pegar empréstimos e investir. Uma redução hoje na demanda por
consumo da parte das pessoas que possuem renda pode ser motivada por um desejo
delas de aumentar seu consumo futuro, utilizando essa poupança. Mas os
empreendedores, segundo Keynes, não podem saber antecipadamente como essas
pessoas irão querer aumentar seu consumo no futuro ou quais bens em específico
estarão em maior demanda quando esse futuro chegar. Como resultado dessa
incerteza, a redução na atual demanda dos consumidores pelos bens atualmente
produzidos irá meramente fazer com que os atuais incentivos dos empreendedores
para fazer novos investimentos também sejam reduzidos.
Se, por algum motivo, houver uma onda
de pessimismo no ambiente empreendedorial, o que resultaria em uma redução na
demanda por empréstimos para investimento, isso faria com que houvesse uma
redução na taxa de juros. Tal redução na taxa de juros, por causa dessa
queda na demanda por investimentos, faria com que poupar fosse algo menos
atrativo, dado que agora os juros que remuneram essa poupança a ser emprestada
são menores. Como resultado, os gastos em consumo irão aumentar à medida
que a poupança diminui. Assim, ao passo que os gastos em investimento
podem estar diminuindo, um maior volume de gastos em consumo compensaria essa
diferença e garantiria uma demanda de "pleno emprego" para a
mão-de-obra e os recursos da sociedade.
Mas Keynes não quer permitir que isso
aconteça, por causa daquilo que ele chama de "lei psicológica
fundamental" da "propensão para consumir". À medida que a
renda aumenta, diz ele, os gastos em consumo também tendem a aumentar,
mas menos do que o aumento da renda. Ao longo do tempo,
portanto, à medida que a renda da sociedade se eleva, uma porcentagem cada vez
maior é poupada em vez de consumida.
Na Teoria Geral, Keynes
lista uma variedade daquilo que ele chamou de fatores "objetivos" e
"subjetivos" que ele considera influir sobre as decisões das pessoas
de consumir parte de sua renda. Do lado "objetivo": um lucro
inesperado; uma mudança na taxa de juros; uma mudança nas expectativas sobre a
renda futura. Do lado "subjetivo": "Prazer, Imediatismo,
Generosidade, Irreflexão, Ostentação e Extravagância".
Após essa lista, ele meramente declara
que os fatores "objetivos" têm pouca influência sobre as decisões de
quanto consumir de uma dada quantia de renda — inclusive uma mudança na taxa de
juros. E os fatores "subjetivos" são basicamente invariáveis,
sendo "hábitos formados pela raça, educação, costumes, religião e
moralidade atual ... e os já estabelecidos padrões de vida."
Com efeito, Keynes chega à peculiar
conclusão de que, dado que os desejos do homem são determinados e fixados
basicamente pelo seu ambiente social e cultural, e que eles mudam muito
lentamente, "quanto maior ... o consumo que já nos fornecemos antecipadamente,
mais difícil será encontrar algo a mais com o qual nos fornecermos".
Traduzindo: os homens esgotam os desejos e necessidades para os quais gostariam
que fossem feitos mais investimentos; os recursos da sociedade — inclusive a
mão-de-obra — ameaçam se tornar maiores do que a demanda para a utilização
deles.
Keynes, em outras palavras, inverte o
mais fundamental conceito da ciência econômica. Em vez de nossos desejos
e necessidades serem sempre maiores do que os recursos e meios disponíveis para
satisfazê-los, a realidade, segundo Keynes, é que o homem está enfrentando um
mundo "pós-escassez", no qual os meios à nossa disposição estão se
tornando maiores do que os fins para os quais eles podem serem empregados.
A crise da sociedade é uma crise de abundância! Quanto mais ricos nos
tornamos, menos trabalho haverá para as pessoas, pois, na visão de Keynes, a
capacidade e o desejo do homem de imaginar novas e diferentes maneiras para
melhorar sua vida são finitos. O problema econômico é que estamos excessivamente
bem.
Como consequência, a parte da renda que
não foi gasta poderá se acumular como poupança não utilizada e não investida (o
temido "entesouramento"); e quaisquer que sejam os investimentos que
venham a ser empreendidos, estes poderão flutuar erraticamente para cima ou
para baixo por causa daquilo que Keynes chamou de "espírito animal" —
a psicologia irracional dos empreendedores em relação a um futuro
incerto.
A economia de livre mercado, portanto,
estará sempre atormentada pelo constante perigo das ondas de expansão e
recessão econômica, com longos períodos de alto desemprego e indústrias ociosas
— e tudo causado pelo comportamento errático e imprevisível dos empreendedores,
bem como da propensão a poupar das pessoas. O problema da sociedade advém
do fato de que as pessoas consomem muito pouco e poupam em excesso, o que
impede que haja empregos para todos aqueles que desejam trabalhar aos salários
determinados pelo mercado. E como os trabalhadores se recusam a aceitar
que seus salários reajustados para baixo em decorrência de qualquer declínio na
demanda por seus serviços, o desemprego só tende a aumentar.
Apenas uma instituição pode intervir e
servir de mecanismo estabilizador para manter o pleno emprego e a produção em
nível constante: o governo, por meio de várias e ativas políticas monetárias e
fiscais.
Esta é a essência da economia
keynesiana.
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