Filosofia e Democracia
domingo, 30 de setembro de 2018
sexta-feira, 7 de setembro de 2018
DESIGUALDADE – Amartya Sen
Em Desigualdade Reexaminada,
Amartya Sen desenvolve uma abordagem metodológica para lidar com as questões
mais pertinentes da desigualdade social e explora particularmente as formas de
análise dos arranjos sociais, confrontando a ideia de igualdade com dois tipos
distintos de diversidade: a heterogeneidade básica dos seres humanos e a
multiplicidade de variáveis relativamente às quais a igualdade pode ser
avaliada.
2Enfatizando a pergunta “Igualdade em relação a quê?” e relacionando-a com a
diversidade humana, ele argumenta que as demandas por igualdade devem ser
vistas no contexto de outras demandas, especialmente relacionadas com
objectivos agregadores e eficiência geral, uma vez que quando a igualdade é
analisada isoladamente de outras questões, a sua avaliação tende a ser
distorcida ou sobrecarregada. A sua proposta consiste numa forma de responder à
pergunta formulada no início do livro, relacionando-a com os diversos temas
desenvolvidos em 9 capítulos e sugerindo as diversas implicações deste tipo de
resposta, não apenas do ponto de vista teórico, mas da sua importância na
formulação de políticas públicas nos domínios económico e social.
3No livro, o autor faz uma apresentação sistemática das dificuldades a serem
enfrentadas por qualquer teoria que pretenda responder adequadamente a uma
outra pergunta, relacionada com a anterior: “que aspecto da condição de uma
pessoa deve contar como fundamental na avaliação da extensão da desigualdade?”,
apresentando simultaneamente a defesa do seu ponto de vista segundo o qual as
capacidades é que devem ser igualadas.
4O conceito de capacidade expressa
uma ideia de igualdade de oportunidades, valorizando a liberdade substantiva
das pessoas para levarem a vida do jeito que quiserem e de lutarem pelo alcance
dos seus objectivos. Neste conceito, destaca-se a ideia de vida boa, que
subentende escolhas genuínas, ou seja, não pressionadas – por outras palavras,
liberdade de escolha. As oportunidades envolvem não apenas as disponibilidades
em recursos, mas também o acesso das pessoas a esses recursos, o que depende
das habilidades e talentos para os usar. A ausência de habilidades e talentos é
limitante e limitativa da liberdade de ter e fazer escolhas, uma vez que a
escolha genuína pressupõe capacidades para fazer ou para não fazer, para
escolher e lutar pelos objectivos.
5Para este autor, a noção de ‘capacidades’ está intimamente relacionada com
a noção de liberdade efectiva, que resulta dos funcionamentos, ou seja, os
‘teres’, ‘seres’ e ‘haveres’ das pessoas. As formas de destituição e de
exclusão e as desigualdades sociais comprimem ou anulam as liberdades efectivas
de milhões de pessoas, num mundo que atingiu progressos materiais
extraordinários, colocando a questão da necessidade de buscar formas de
distribuição da riqueza gerada que permitam ampliar as liberdades efectivas de
um número cada vez maior de pessoas, o que pressupõe a avaliação constante dos
processos de geração e distribuição da riqueza.
6Esta questão tem a ver com outra crítica que Sen endereça à noção de
racionalidade seguida pela economia, a qual pressupõe a busca pela maximização
do auto-interesse e as escolhas que tal busca implica, sem se preocupar com o
conteúdo dessas escolhas; ou seja, para o autor, existe na economia uma simplificação
das motivações das pessoas. Ele defende o reconhecimento de outras motivações e
outras definições de racionalidade, permitindo incorporar na formulação das
políticas públicas a pluralidade de valores presentes na sociedade,
relacionando ética e racionalidade, e a incorporação de motivações morais na
economia, por exemplo.
7As preferências das pessoas resultam do nível de informação e da condição
de desenvolvimento de habilidades e talentos que elas tenham alcançado,
conduzindo a extremos de ostentação de preferências caras das elites ou de
resignação e conformismo de preferências baratas das camadas oprimidas e
discriminadas socialmente. O défice de liberdade efectiva por parte dos
desfavorecidos (os expostos à destituição continuada ou os portadores de
incapacidades físicas ou mentais) revela-se nas taxas de conversão de bens
primários em liberdades efectivas, desfavoráveis e diferenciadas destes grupos,
traduzindo-se numa desigualdade de distribuição de bens primários, apesar da
demanda por equidade.
8Segundo o autor, este círculo vicioso alimenta-se da incapacidade de muitas
pessoas das camadas mais desfavorecidas da sociedade em identificarem os
valores e os procedimentos que devem seguir. Por outro lado, a impossibilidade
de produzir ordenações completas de valores e dos procedimentos correspondentes
devido às dificuldades de escolha provocadas pelos dilemas morais ou conflitos
de valor não implica a paralisação da acção, uma vez que sempre existe a
possibilidade de escolha de outros arranjos que não sendo os ideais são,
contudo, os que se apresentam possíveis de aplicação e capazes de funcionar
pragmaticamente.
9A contribuição de Sen no domínio dos problemas da desigualdade e da pobreza
situa-se nos âmbitos conceptual e de mensuração, e também na sugestão de
políticas públicas. Na sua obra, os temas da pobreza e da desigualdade social
aparecem frequentemente interligados, estando muitas vezes presentes na
referência a situações de desigualdades, argumentos e evidências relativos à
pobreza. Por outro lado, a insistência nos fenómenos de destituição e de
incapacidades físicas ou mentais parece constituir um indicador da sua
preferência relativamente ao problema da exclusão social, em detrimento do tema
das disparidades entre pessoas e grupos sociais.
10Mas esse aspecto é contrabalançado pela sua contribuição para uma
perspectiva de dimensão avaliatória dos estados sociais em termos dos ‘seres’ e
‘fazeres’ e das alternativas a que as pessoas têm acesso, ou seja, os
funcionamentos e as capacidades das pessoas em levarem a vida do seu jeito,
estabelecendo os objectivos que desejam alcançar e tendo condições para os
alcançar. Por outro lado, Sen propõe um conceito de pobreza relativa, permeado
pelo nível de desigualdade social e económica existente na sociedade, cujos
indicadores são os funcionamentos e as capacidades. Já o seu conceito de
pobreza absoluta corresponde a um nível de vida abaixo das potencialidades
físicas das pessoas.
11Na sua perspectiva, padrão de vida é a expressão das condições de vida das
pessoas, acrescentando: “Os fracassados e oprimidos acabam por perder a coragem
de desejar coisas que outros, mais favoravelmente tratados pela sociedade,
desejam confiantemente. A ausência de desejo por coisas além dos meios de que
uma pessoa dispõe pode reflectir não uma valoração deficiente da parte dela,
mas apenas uma ausência de esperança e o medo da inevitável frustração. O
fracassado enfrenta as desigualdades sociais, ajustando os seus desejos às suas
possibilidades.”
12Na sua abordagem de funcionamentos e capacidades, Sen defende a pluralidade
de objectos de valor, para reflectir a pluralidade de ‘seres’ e ‘fazeres’ em
consonância com a diversidade de carências das pessoas, os quais seriam medidos
por ordenamentos parciais. A noção de funcionamentos como ‘objectos de valor’
parece localizar-se nas condições e tipos de vida proporcionados pelo acesso
diferenciado a meios, não apenas económicos: esta ênfase em ‘qualidade de vida’
baseia-se no princípio de que o valor do padrão de vida repousa na vida em si e
não na posse de mercadorias ou bens e deixa espaço para a contingência e
variabilidade naturais e sociais que respondem pela diferenciação das carências
entre as pessoas. Para além do foco nas necessidades básicas, como rendimento,
saúde, educação e esperança de vida, o autor defende a criação de um conjunto
de indicadores sociais e culturais que transcendem o indicador económico
‘rendimento’, deslocando o espaço do ‘ter’ para o espaço do ‘ser’ e do ‘fazer’.
13Para ele, os funcionamentos variam dos mais elementares (como estar bem
alimentado ou ter uma esperança de vida longa) a outros mais sofisticados,
relacionados com a auto-estima, o reconhecimento ou o sentimento de pertença a
uma comunidade. As capacidades reflectem as oportunidades de escolha por
arranjos alternativos de conjuntos de funcionamentos que as pessoas detêm e que
representam a extensão da sua liberdade efectiva de escolha, referida não
apenas aos bens sociais primários.
14Na opinião de Sen, esta avaliação em termos de funcionamentos e capacidades
permitiria representar 3 níveis de objectivos das pessoas: o seu padrão de
vida, o seu bem-estar e os seus objectivos enquanto agente, numa visão
multidimensional do ser humano que possui ambições em relação à sua vida
pessoal e das outras pessoas, e compromissos em relação à realização dos
objectivos que deve perseguir.
15Quando relaciona pobreza e desigualdade, Sen distingue os funcionamentos e
as capacidades biológica e universalmente determinados, daqueles que o são
socialmente, ou seja, dependem de um padrão médio efectivamente alcançado por
uma comunidade. Nesta abordagem, a noção de pobreza relativa ganha grande
relevo na medida em que faz sobressair a relatividade social e cultural das
necessidades, que parece relacionar as realizações de uns ao que os outros
conseguem alcançar, dando lugar a comparações entre os mais bem situados e os
menos bem situados na sociedade, com a eclosão dos sentimentos de vergonha e
baixa estima por parte destes últimos.
16Na perspectiva de Amartya Sen, não é possível deixar de reconhecer as
assimetrias do mundo social que levam à formação distorcida de expectativas. É
também necessário ter em atenção a impossibilidade de responsabilizar as
pessoas pelas suas escolhas individuais, especialmente aquelas que apresentam
incapacidades físicas ou mentais, ou carências resultantes da destituição
social – uma vez que tal responsabilização pressuporia a completa
disponibilidade e acessibilidade universal de conhecimento e habilidade das
pessoas em reconhecer e escolher alternativas, o que não acontece em nenhuma
sociedade.
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Consciência
Fora corrupção.Vamos viver, pelo menos, com decência!!!
A formação política dos chilenos, como de todos os hispano-americanos do começo do séc. XIX, era algo de uma ineficiência gritante. Quase que sem transição, viram-se esses povos donos de seus destinos, sem preparo para a difícil tarefa de governar. Surgiram à tona todas as AMBIÇÕES.