Minha amiga Maria
(nome suposto) ligou-me tarde da noite, semana passada, precisando conversar,
ou melhor, desabafar sobre sua decepção. Em sendo uma pessoa tão discreta,
dessas que têm horror de incomodar, deu para sentir o quanto estava perturbada.
Passava por um momento que conheço bem: a quebra de uma ilusão sobre alguém que
julgava de uma sinceridade absoluta.
“Sempre respeitei
sua opinião, ainda mais diante de se afirmar minha amiga incondicional e quando
me elogiava eu via ali um parâmetro a ser seguido, não só por sua competência,
mas pelo que julgava ser imparcialidade, imagine que ontem, assistindo a um
programa de TV, aliás, sem querer ao zapear o controle, fiquei estarrecida.
Falando a um entrevistador, e tendo ao lado minha ex-sócia, alguém que ela
sempre criticou, conhece a conduta profissional e o quanto me prejudicou,
fez-lhe elogios rasgados e o pior, enalteceu seu trabalho exatamente do jeito
que me elogia, usando até as mesmas palavras e expressões!”
Estava tão arrasada
e de tal forma frustrada que não tive coragem de manifestar a minha opinião,
por mais que ela insistisse; preferir deixar que falasse tudo, que botasse para
fora na certeza de que lhe faria bem, de que dormiria melhor. Creio ter
acertado e só agora, aqui, respondo-lhe com todo o carinho, mas sem rodeios.
Antes de tudo: a
atitude da tal pseudo-amiga é tão comum, que não merecia tamanho sufoco,
infelizmente, a firmeza e a posição definida são comportamentos hoje raros no
mercado: as pessoas querem estar bem na fita e fazer média com todos, acendem
uma vela para Deus e outra para o diabo, sem qualquer constrangimento, nenhum
escrúpulo.
O ponto-chave de
tudo é não ter ilusões, ou ir diminuindo-as com a passagem do tempo. Esse é o
caminho do amadurecimento. Ilusão é um engano dos sentidos, a bruma que impede
a passagem na estrada. É bonito dizer “não quero perder minhas ilusões” ou “de
ilusão também se vive”, mas no frigir dos ovos, só prejudica, mantém a
puerilidade, atravanca a chance da lucidez.
Tenho hoje poucas
ilusões, creio, e por mais que tenha sido duro diluí-las, sinto-me agora mais
seguro e definido em mim mesmo, ainda que isso tenha vindo acompanhado de certa
amargura. É o preço, gente. Sei que muitos que me elogiam dizem a mesma coisa a
outros no mesmo patamar profissional, na maior. Com honrosas exceções que faço
àqueles amigos certos, os que, sempre afirmo, têm créditos comigo. Justamente
pela total retidão e nenhuma tibieza.
Tenho claro que
mesmo sem fazer qualquer coisa negativa para certas pessoas, elas podem não
gostar de mim, de graça. E sei também que não
estou isento de nada, apenas por ser correto, por tentar agir da melhor forma
possível com o próximo. Canso de comprovar tudo isso no cenário cotidiano. A
vantagem é que cada vez magoa menos, surpreende pouco, quase não assusta. Ainda que isso custe
a pureza de se acreditar em contos de fadas.
Luiz Alca de Sant’Anna
Um crente me perguntou uma vez: você acredita na salvação? Acredito tanto que nunca matei nenhum demônio para não ir preso, ficando assim salvo. E quanto menos não dei o outro lado da cara para bater como manda a Bíblia, não me sujeitando ou submetendo-me a situações de humilhação. Garantindo assim a minha auto-estima para ter confiança em minhas investidas neste caminhar terrestre, salvando-me do inferno da tristeza, incompetência, incapacidade e alienação.
Éd Alemão